Jaime Biella – DFIL – UFRN
Considerações acerca do arrazoado que acompanha a MP746/2016
Trata-se do documento elaborado pelo MEC para argumentar a favor da proposta apresentada e da necessidade de se aplicar a reforma do EM por meio de MP.
Composto de 25 parágrafos numerados, dentre os quais destaco:
1 e 25. Formalidades.
- Ao longo destes 20 anos, uma série de medidas foram adotadas para esta etapa de ensino [médio], no entanto, a sua função social, prevista no art. 35, não atingiu os resultados previstos.
- Resta claro, portanto, que o ensino médio brasileiro está em retrocesso, o que justifica uma reforma e uma reorganização ainda este ano …
- Afirma que os sistemas de ensino não conseguiram cumprir com os 20% de parte diversificada por conta do excesso de disciplinas (13). Não há outro motivo alegado.
5 a 12 – Apresenta dados estatísticos sobre os “resultados ínfimos” do ensino médio nos últimos 20 anos.
E conclui que:
- Atualmente o ensino médio possui um currículo extenso, superficial e fragmentado, que não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do século XXI.
- Isso é reflexo de um modelo prejudicial que não favorece a aprendizagem e induz os estudantes a não desenvolverem suas habilidades e competências, pois são forçados a cursar, no mínimo, treze disciplinas obrigatórias que não são alinhadas ao mundo do trabalho, situação esta que, aliada a diversas outras medidas, esta proposta visa corrigir, sendo notória, portanto, a relevância da alteração legislativa.
- A partir de dados demográficos conclui pela urgência da MP, uma vez que “este é o momento mais importante e urgente para investir na educação da juventude, sob pena de não haver garantia de uma população economicamente ativa suficientemente qualificada para impulsionar o desenvolvimento econômico”.
Observação: A preocupação está na formação de uma “população economicamente ativa … para impulsionar o desenvolvimento econômico”, ou seja, nada se diz sobre a necessidade de formação de cidadãos, mas apenas de trabalhadores.
15 a 17 – Seguem os dados estatísticos sobre escolaridade e mercado de trabalho, para concluir:
- Um novo modelo de ensino médio oferecerá, além das opções de aprofundamento nas áreas do conhecimento, cursos de qualificação, estágio e ensino técnico profissional de acordo com as disponibilidades de cada sistema de ensino, o que alinha as premissas da presente proposta às recomendações do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para Infância – Unicef. (Grifo meu).
- É de se destacar, outrossim, que o Brasil é o único País do mundo que tem apenas um modelo de ensino médio, com treze disciplinas obrigatórias. (Grifo meu).
Observação: Esta informação aparece sem nenhuma fonte de confirmação. Não busquei os dados, mas me parece questionável essa afirmação.
Propostas:
- Neste sentido, a presente medida provisória propõe como principal determinação a flexibilização do ensino médio, por meio da oferta de diferentes itinerários formativos, inclusive a oportunidade de o jovem optar por uma formação técnica profissional dentro da carga horária do ensino regular.
- A presente proposta também estabelece a ampliação progressiva da jornada escolar, conforme o Plano Nacional de Educação, e limita a carga horária máxima de mil e duzentas horas para Base Nacional Curricular Comum, com autonomia dos sistemas estaduais de ensino para organização de seus currículos, de acordo com as realidades diversas.
Observação: A alegada flexibilização compete ao Sistema de Ensino, não ao aluno.
- Na perspectiva de ofertar um ensino médio atrativo para o jovem, além da liberdade de escolher seus itinerários, de acordo com seus projetos de vida, a medida torna obrigatória a oferta da língua inglesa, o ensino da língua portuguesa e da matemática nos três anos desta etapa, e prevê a certificação dos conteúdos cursados de maneira a possibilitar o aproveitamento contínuo de estudos e o prosseguimentos dos estudos em nível superior e demais cursos ou formações para os quais a conclusão do ensino médio seja obrigatória.
Observação: Pela MP, apenas Língua Portuguesa e Matemática serão obrigatórias nas três séries do EM. Língua Inglesa será obrigatória apenas na parte do currículo destinada a BNCC (1200 horas no máximo).
- Defende uma escola baseada nos quatro pilares de Jacques Delors e substitui o conceito de formação integral pela de “formação ampla do jovem”.
Observação geral: O documento está lastreado em dados dos órgãos do MEC e de “uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Cebrap, com o apoio da Fundação Victor Civita – FVC”, sem informar que pesquisa é esta, quando e como foi realizada.
MP 746/2016 – PRINCIPAIS MUDANÇAS DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO
- POLÍTICA DE FOMENTO À IMPLEMENTAÇÃO DE ESCOLAS DE ENSINO MÉDIO EM TEMPO INTEGRAL (FINANCIAMENTO)
Artigos 5 a 12 da MP. A destacar:
- (Art. 6º). Participarão da Política as escolas que:
I – sejam escolas implantadas a partir da vigência desta Medida Provisória e atendam às condições previstas em ato do Ministro de Educação; e
II – tenham projeto político-pedagógico que obedeça ao disposto no art. 36 da Lei nº 9.394, de 1996.
- O financiamento será feito sem celebração de contratos entre o Sistema de Ensino e o FNDE (Art. 9º) e a prestação de contas será de forma “simplificada” (Art. 9º, § único).
- AUMENTO DA CARGA HORÁRIA MÍNIMA – Alteração do Art. 24 da LDB.
“A carga horária mínima anual […] deverá ser progressivamente ampliada, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, observadas as normas do respectivo sistema de ensino […]”.
- ALTERAÇÃO NA ESTRUTURA CURRICULAR
- Artes: (Art. 26 – § 2º) “O ensino da arte […] constituirá componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental […]” (Grifo meu).
- Educação Física: (Art. 26 – § 3º) “A educação física […] é componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental […]”. (Grifo meu).
- Língua inglesa: (Art. 26 – § 5º) “No currículo do ensino fundamental, será ofertada a língua inglesa a partir do sexto ano”.
Na LDB era obrigatório a presença da língua estrangeira a partir da 5ª série do EF, “cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição”.
- Língua espanhola: O artigo 13 da MP diz: “Fica revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005”. A lei tornava o “ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno […] nos currículos plenos do ensino médio”.
- Língua estrangeira: (Art. 36 – § 8º) “Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino).
Observação: não está determinado que Língua inglesa será obrigatória nas três séries do EM.
- Filosofia e Sociologia: Não há nenhuma referência a esses componentes curriculares na MP.
O artigo 36 da LDB foi alterado:
LDB: Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:
I destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado das ciências, das letras e das artes; o processo histórico de transformação d sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, o acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;
II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;
III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das possibilidades da instituição;
IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplina obrigatórias em todas as séries do ensino médio.
MP: Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional:
I – linguagens;
II – matemática;
III – ciências da natureza;
IV – ciências humanas; e
V – formação técnica e profissional.
- A competência para definir novos componentes curriculares sai da alçada do Congresso e passa a ser atribuição do MEC:
Art. 26 – § 10º – A inclusão de novos componentes curriculares de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular dependerá de aprovação do Conselho Nacional de Educação e de homologação pelo Ministro de Estado da Educação, ouvidos o Conselho Nacional de Secretários de Educação – Consed e a União Nacional de Dirigentes de Educação – Undime.”
- DIVISÃO DO ENSINO MÉDIO EM DUAS ETAPAS: FIXA E FLEXÍVEL
- Altera os artigos 36, 44 e 62 da LDB
(Art. 36 da LDB, nova redação): O EM passa a ser composto de duas etapas:
- Base Nacional Comum Curricular
Carga horária máxima: 1200 h (§ 6º).
- Cinco Itinerários Formativos: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas; formação técnica e profissional.
- A organização curricular “será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino” (§ 3º) e os Sistemas de Ensino poderão oferecer mais de um itinerário formativo (§ 1º).
- A parte diversificada do currículo deverá estar integrada à BNCC (§7º).
- Língua portuguesa e Matemática são as únicas disciplinas obrigatórias nas três séries do EM (§ 9º).
- O estudante poderá cursar, subsequentemente, até dois Itinerários Formativos (§ 10º).
- Para cumprir o Itinerário Formativo do aluno o Sistema de Ensino poderá reconhecer competências e habilidades construídas a partir da “inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional”. Além disto, os Itinerários Formativos poderão fazer a concessão de “certificados intermediários de qualificação para o trabalho” (§ 11º).
“Os sistemas de ensino poderão reconhecer, mediante regulamentação própria, conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação, como: I – demonstração prática; II – experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar; III – atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino; IV – cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais; V – estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e VI – educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias” (§ 17º).
- O currículo poderá ser organizado em módulos e adotar o sistema de créditos ou disciplinas com terminalidade específica (§ 15º).
- Aproveitamento de conteúdos cursados no EM poderão ser aproveitados como créditos no ensino superior (§ 16º).
- Os processos seletivos para o ingresso no 3º grau exigirão exclusivamente os conteúdos da BNCC (§ 3º, incluído no Art. 44 da LDB).
- CARREIRA DOCENTE
Além dos profissionais da educação escolar já reconhecidos pela LDB, foi incorporado um novo profissional: “profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o disposto no inciso V do caput do art. 36”. (Exclusivamente para o Itinerário Formativo V – formação técnica e profissional – inclusão do inciso IV no Art. 61 da LDB).
- LICENCIATURAS
- O Art. 62, § 8 da LDB passa a ter a seguinte formulação:
- Os currículos dos cursos de formação de docentes terão por referência a Base Nacional Comum Curricular
(Obs.: apenas a parte correspondente a 1200 h da carga horária total do EM).
- Prazo para o novo currículo da licenciatura ser implementado: setembro/2018.
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 746, DE 22 DE SETEMBRO DE 2016
Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
FAVOR BAIXAR O ARQUIVO NO TOPO DA PAGINA PARA MELHOR VISUALIZAR AS TABELAS
Art. 14. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 22 de setembro de 2016; 195o da Independência e 128o da República.